O Serviço de Apoio Domiciliário é constituído por uma equipa multidisciplinar e tem como objetivo prestar apoio a pessoas infetadas e afetadas pelo VIH/SIDA que se encontrem em situação de dependência física e/ou psíquica, que não possam assegurar a satisfação das suas necessidades básicas e/ou a realização das atividades instrumentais de vida diária. A interdisciplinaridade da equipa é extremamente importante para promover um melhor atendimento assim como resposta adequada às necessidades específicas de cada pessoa. Atualmente, o serviço de Apoio Domiciliário agrega a participação sistemática de diversos profissionais (Serviço Social/ Enfermagem/Nutrição/Fisioterapia/ Psicologia/etc.).
A Psicologia integrada na equipa multidisciplinar de Apoio Domiciliário pretende, de uma forma geral, intervir com os doentes em situação de risco e de perda prevenindo-as ou trabalhando-as quando já são um facto e já estão instaladas. O acompanhamento psicológico apresenta-se como fundamental no processo de adaptação à doença e realidade envolvente por parte do doente e da sua família. O trabalho desenvolvido tenta colmatar as dificuldades características desta população, como a aceitação do diagnóstico e o processo de adaptação à doença, a tão importante adesão terapêutica, o coping (estratégias para lidar) com o declínio funcional e a perda de autonomia, as dificuldades relacionadas com síndromes demenciais e distúrbios comportamentais e todas as questões emocionais associadas. O psicólogo pode trazer alguma subjetividade do próprio doente aos outros elementos da equipa, aos cuidadores e à família, deve também ser um facilitador na comunicação entre equipa, doentes e familiares.
Domicílio, a casa da pessoa doente em situação de dependência, pode ser considerado um contexto e local privilegiado para a intervenção psicológica, pois fornece várias indicações que auxiliam na compreensão do problema e sintomas apresentados pela pessoa. Ao contrário do modelo hospitalar de consulta, o domicílio proporciona uma intervenção e assistência mais humanizada. Visa-se a participação ativa do doente promovendo o empowerment no seu processo de reabilitação, bem como no planeamento e execução dos cuidados. Este contexto oferece uma fonte de segurança e uma possibilidade de autonomia, de mudança e de promoção de autoestima. No domicílio, alcança-se de forma mais real e precisa o funcionamento da dinâmica familiar bem como todos os aspetos que possam parecer insignificantes, mas que podem ter um elevado grau de importância e que devem ser usados como dados para o psicodiagnóstico, o que em contexto institucional é mais difícil de acontecer.
Verificam-se alguns aspetos psicológicos característicos de doentes atendidos em domicílio, sendo mais comum encontrar quadros depressivos e de ansiedade após aparecimento da doença e perda de autonomia, inversão de papéis familiares, sentimentos de culpa, isolamento social, etc. Relativamente aos afetados cuidadores, muitas vezes apresentam cansaço, sobrecarga de tarefas, acabando por se negligenciarem a eles próprios. No entanto, observa-se que alguns doentes crónicos e familiares apresentam mecanismos de defesa eficazes, tais como como a racionalização e o recurso à espiritualidade para lidar com a situação em que se encontram, não necessitando de tratamento psicológico. Pode também acontecer que nem sempre o próprio doente está recetivo à presença do profissional em sua casa.
Em contexto de domicílio, é necessária alguma cautela tendo em consideração que se está a entrar no espaço pessoal do outro, deve-se minimizar os sentimentos de invasão que podem ocorrer principalmente numa fase inicial em que o profissional pode ser visto como um intruso. É necessário respeitar as ideias do utente, assim como a sua rotina, estilos de vida, horários, etc. Outra questão importante é relativa à manutenção do profissionalismo, o contexto domiciliário pode ser propenso a que a visita seja interpretada como uma visita social e não profissional por parte dos doentes e familiares. Assim, devem impor-se limites ao familiar ou ao doente que demonstre que gostaria que o relacionamento ultrapassasse o campo profissional.
Devido à maior proximidade desenvolvida neste contexto, é fundamental lidar adequadamente com estas situações. Neste contexto, existem fatores de interferência que dificultam o controlo sobre o ambiente, sendo o doente e/ou o seu familiar a fornecer as diretrizes sobre como o profissional se deve comportar na intimidade da família. Fatores ambientais (toque de um telefone/outras pessoas na área/etc.) interferem diretamente com o planeamento da intervenção ,não se conseguindo concretizar o número desejado de sessões, o horário e a duração de cada uma e outros objetivos.
Também a questão do sigilo profissional se torna um assunto delicado neste cenário tão próprio. Muitas vezes, não existem condições físicas para resguardar a intimidade do doente, sendo difícil manter a confidencialidade dos assuntos abordados, o que pode originar problemas na intervenção.
Entende-se que que o contexto de domicílio apresenta as suas desvantagens a nível da intervenção psicológica, mas acreditamos que as vantagens se sobrepõem em grande escala e uma vez que o doente não pode ir até ao serviço, vai o serviço ao doente; “a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”.
Assim, tendo estes fatores em consideração, é importante entender que, ao atender em domicílio, será necessário adotar uma atitude flexível uma vez que o modelo clássico de consultório não se adequa. Este cenário acarreta limitações, mas também representa novas formas e possibilidades de atuação não consideradas anteriormente.
Autor: Rosário Vasconcelos | Psicóloga Clínica
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